segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Desinformados? Desinformados somos nós!

Eu tenho vários alunos no meu facebook e, nessas eleições, decidi que mal iria postar coisas lá para não ser acusada de fazer panfletagem com eles. No Twitter, relaxei um pouco zoando com o Aécio porque Aécio (e seu sucessor, Anastasia) tem uma longa e desgastante história com os professores de Minas e foi catártico ver pessoas de outros Estados de repente estarem falando sobre o homem que quase não é mencionado na amordaçada imprensa mineira.

Problemas pessoais com o candidato à parte, para mim, a questão sempre foi muito simples: mesmo que fosse outro do PSDB lá em cima, eu não votaria. A razão é: por mais que o PT tenha tido uma gestão deficiente em muitos sentidos (só vou deixar duas palavras cheias de mal agouro: crise imobiliária), dos partidos que entraram no pleito no segundo turno, é o mais próximo da minha ideologia. Eu não acho que o crescimento econômico vai gerar o bem-estar social, eu acho que cuidar do bem-estar social é que traz benefícios para a economia. (Até porque, economia é necessária e importante, já que o Governo precisa de dindim pra trabalhar.) No PSDB (o partido, não os eleitores), eu sinto enrustida aquela retórica de que "qualquer um pode ser rico, é só trabalhar - se você é pobre, ou é burro ou é preguiçoso", retórica que ganhou o nome novo e bonitinho de "meritocracia", e que não concordo.

Primeiro, por uma razão muito simples. Eu trabalho na assistência social espírita desde que me entendo por gente. Comecei a participar dos trabalhos em meados de 2004 e estou aqui até então, mas meu primeiro contato PRA VALER com o trabalho social foi em 2000. Pode-se dizer que estou nessa lida desde o início do Governo Lula. Os atingidos por esse trabalho são moradores de favelas e/ou regiões bem pobres.

Pois bem. Quando entrei pra assistência social, eram umas 20 a 30 famílias que se cadastravam pra receber cesta básica a cada semestre. Quando se conversava sobre política, essas pessoas repetiam palavra por palavra discursos de seus patrões ou de repórteres da TV. Minha avó vivia dizendo que "esse Lula não presta", Dra. Fulana disse pra lá, Dra. Fulana aconteceu pra cá. O Governo FHC tinha mesmo um programa semelhante ao Bolsa Família. E eles distribuíam cesta básica. Quer maior esmola que cesta básica?

Não é à toa que a mídia conseguiu eleger o Collor. A postura que se tinha era a de que os moradores de regiões pobres e pouco desenvolvidas eram pobres coitados que tinham que esperar em posição passiva o que os esclarecidos tinham a dar a eles. Que as "pessoas inteligentes" sabiam o que era melhor para eles.

Daí veio o Governo Lula e as bolsas. Agora, ao invés de receber o peixe (isso é, ganhar cesta básica pronta), o povo aprendeu a pescar (isso é, ganhar um dinheirinho equivalente a uma cesta básica para a pessoa comprar aquilo que acha melhor). Ao invés de dar benefícios às pessoas necessitadas, sem confiar que elas seriam capazes de comprar o que precisavam, o Governo deu a elas um voto de confiança. Deu o dinheiro e deixou que elas o gerenciassem. E vejam se que coisa curiosa: hoje, 10 anos depois de eu entrar para a assistência social, apenas 3 ou 4 famílias se cadastram lá por semestre, mas elas estão ali claramente por outras razões que não só a cesta básica. Elas compram no bazar beneficente, ao invés de só receber as doações. A casa espírita que frequento passou de "situada no meio da favela" a "situada em uma rua de casas simples". Todas as casas da rua de lá agora têm carro e quase todas foram reformadas e pintadas nos últimos anos.

Mas sabe o que é mais legal? Primeiro, essas pessoas têm agora opinião própria. Sim, muitas ainda respeitam muito, a ponto de imitar, falas de pessoas que elas percebem como "mais instruídas". Mas uma parte importante dessas pessoas percebeu que ela não precisa só votar no interesse de seus patrões, ou de gente de outro Estado. Que as pessoas as tratam como se fossem parasitas preguiçosos só esperando o bolsa família pingar, quando, na verdade, eles trabalham como burros e só querem consumir como todos os outros para terem sua dignidade. E isso dói. Dilma não ganhou por dar dinheiro a essas pessoas, mas porque elas obviamente não querem votar ao lado de quem as trata como lixo sem saber como elas realmente são.

Esse pessoal passa mais tempo na escola por conta do bolsa-escola (ah, e a primeira geração a pegar bolsa-escola no ensino médio já tem filhos, eu conheço vários). Esse pessoal tem grana pra entrar na internet e se informar graças às bolsas que deixam sobrar um trocado. Essas famílias têm agora membros que entraram na faculdade graças ao ENEM e ao PROUNI e trazem aquela cultura universitária pra casa delas.

Os pobres são burros? São desinformados? NÃO! Desinformados somos nós que achamos isso! Nós que cultivamos uma imagem de "pobre" de 15 anos atrás! A população que vive em regiões mais pobres nunca foi tão bem informada!

(Inclusive, quem fica falando de "pobre burro que vota no PT por causa do bolsa-esmola" deveria saber que, passando na favela, ouvi gente que ganha bolsa-família falando que ia votar no PSDB. Durma com um barulho desse.)

Não acho que a vitória da Dilma foi uma vitória de uma população preguiçosa que quer garantir seus trocados sem esforço. Por tudo o que vi nos últimos dez anos, não pelo jornal, mas diante dos meus olhos, essa foi uma vitória da politização de quem era só espectador.

Veja os lugares onde a Dilma ganhou: o Nordeste (que antes era conhecido só por "seca e miséria", os "coitadinhos do Brasil"), o interior de Minas ("só caipira encostado, porque não vão logo pras cidades ter uma vida melhor?") e outros lugares que estavam sempre à margem da política, sempre confiando na "gente instruída", sempre alimentados com os restos do "Brasil desenvolvido". Quando o Lula entrou, ele fez mais do que simplesmente dar comida pra esse povo. Isso, quem fazia eram os governos anteriores. Ele mostrou pra esse pessoal que eles tinham voto. Eles tinha vez. Tinham importância e dignidade. E o mais importante: o voto deles pesa. Eles podem votar pra si e ganhar.

O verdadeiro gigante que acordou no Brasil foram os marginalizados políticos, pessoal. Um gigante que não vai se satisfazer mais com migalhas de nenhum partido. O PT ganhou essa eleição pela gratidão desse gigante, mas se não der atenção a ele e não souber articular os interesses dele e os outros que sempre estiveram aí, não vai ter fôlego pra continuar.

É engraçado, não é, que o bolsa-família sempre tenha sido criticado por "dar o peixe, mas não ensinar a pescar", quando a verdade é que a esmola de cesta básica antes que era dar o peixe. O bolsa-família foi dar a vara, e agora o povo tá pescando que é uma maravilha. Gente que antes dava bença pro sinhô dotô hoje olha nos olhos do médico e questiona o diagnóstico dele, porque a internet fala tal coisa. Essas pessoas não podem mais ser empurradas pra debaixo do tapete. Elas querem seu pedaço do bolo-Brasil, e isso vai, naturalmente, diminuir os pedaços de quem antes ganhava muito bolo.

Eu amo esse novo Brasil, mesmo que isso signifique que, em 2018, ganhe um presidente que eu não concorde. Esse é um Brasil que está saindo do cabresto. Pra mim, a única coisa que falta pra gente definitivamente entrar no rumo certo é moralizar essa imprensa que publica calúnia e difamação sob o véu de "liberdade de expressão". Porque não tem outro nome para muito do que a Veja tem publicado ao longo desses anos. A Globo pode ser velhaca, mas ela tem seus limites. Ela tem o mínimo de responsabilidade de não ser alarmista, nem incitar o ódio (mesmo que eu tenha uma birra pessoa de como ela nunca cobre manifestações e greves entrevistando os manifestantes, mas as pessoas que estão paradas no trânsito, dando sutilmente a entender que os manifestantes são um bando de gente à toa impedindo gente de bem de trabalhar por bobagem).

No mais, ainda tem muito o que fazer pelo Brasil, e, por mim, não precisa ser o PT que vai fazer. Mas o importante é que o governo do PT vai deixar um legado maravilhoso de empoderamento político de pessoas e já está passando da hora de a oposição reconhecer que o maior colégio eleitoral agora é o Brasil, não é mais o eixo Sul-Sudeste (particularmente São Paulo). Agora, qualquer grupo de pessoas de qualquer parte do país pode fazer parte dos 3 milhões que vão te eleger.