sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sobre se fazer humor

Sobre a polêmica mais recente envolvendo o Marcelo Tas, não tenho muito o que dizer. Vou me sentar e aguardar os acontecimentos evitando julgamentos preconcebidos.

Cito isso porque me lembrou de algo que tem sido um problema para mim ultimamente: a falta de bons programas de humor no Brasil.

Não sei se estou ficando velha e rabugenta aos 23 anos, mas não consigo achar o menor pingo de graça na maior parte dos formatos humorísticos que temos. Nem no tão propalado CQC e sua forma particular de humor. Sei lá. Vejam se vocês me entendem:

Desde tempos imemoriais (na verdade, desde os meus 7 anos), meus pais se esforçaram para incutir na minha cabecinha noções de caridade, tolerância e respeito. Todo domingo, quando estudamos o Evangelho Segundo o Espiritismo, algum desses temas forçosamente entra na baila. E depois que comecei a conviver mais tempo na internet, não paro de aprender que respeitar alguém é uma coisa muito mais ampla e complexa do que parece, a princípio.

Respeitar alguém é não chamar uma pessoa por um nome que ela não gosta, é não ridicularizá-la por suas preferências particulares, é não humilhá-la publicamente apenas para obter umas risadas dos amigos em volta (e nem no particular, para seu deleite), é não se comportar com ela com base apenas em preconceitos e não em fatos...

Já repararam que pelo menos 90% das piadas e programas de humor atualmente sobrevivem exatamente de fazer as coisas que relacionei no parágrafo anterior?

Não consigo achar engraçadas as piadas homofóbicas, as piadas racistas, machistas e preconceituosas, no geral. Sei lá. Sabe o que é você ouvir algo e pensar que isso é tão grosseiro e carrega uma ignorância tão grande que nem é possível apreciar a ironia da piada? Pois é. Já falei sobre o politicamente incorreto antes, e o que ele quer dizer pra mim.

Estou aqui me lembrando daquele caso em que as autoridades brasileiras não gostaram do episódio dos Simpsons passado no Brasil. Na época, achei uma besteira tão grande essa reação. Afinal, o Casseta e Planeta tinha tiradas muito mais ácidas envolvendo nosso país, e ninguém aparecia pra crucificar. Mas agora, me dá o que pensar... De fato, não é a mesma coisa um estrangeiro fazer piada do Brasil e um brasileiro fazer o mesmo.

Tudo é uma questão de pressupostos. Veja, um brasileiro pode fazer a piada que for sobre o Brasil, que certa dose de respeito e carinho pelo país sempre existirão, ali permeados. Além disso, se alguém faz piada de algo em seu país, essa pessoa mostra que ela vê essa mazela, e não concorda com ela. Compare:

Sua mãe, brasileira, vira e fala: "O Brasil presta mais atenção no peito da mulher que no que ela tá falado."
Um francês vira e fala: "O Brasil presta mais atenção no peito da mulher que no que ela tá falado."

Percebem a diferença sutil? Quando um brasileiro aponta mazelas do Brasil, está implícito que ele não concorda com ela. Que existem brasileiros que só querem ver o peito da mulher, mas existem aqueles que desgostam isso. Quando um francês diz a mesma coisa, o que está implícito é que sua nacionalidade não compactua com a outra. Que todos os brasileiros são iguais e inferiores aos franceses nesse quesito. Daí a carga ofensiva de ser criticado por um outro externo.

Isso quer dizer que os franceses estão proibidos de criticar o Brasil? Não. É só que, sabendo que uma crítica direta e impensada como essa é ofensiva, ele tem que tomar cuidado para deixar bem claro o que quer dizer. O preço que pagamos por sermos críticos externos a um movimento é pensarmos no que estamos falando.

Voltando ao humor, isso se aplica a piadas também. Quer dizer, sou (ovolacto)vegetariana. E acho muitas piadas sobre o vegetarianismo muito engraçadas. Poooorém, quando elas vêm de alguém que come carne, a maioria delas soa extremamente grosseira. Porque a pessoa não faz a concessão de que está falando de um tipo específico de vegetariano, mas de todos eles. E não, NÃO ESTÁ IMPLÍCITO na fala de alguém que come carne que ela não está falando do vegetarianismo como um todo. Lembra do caso do francês? Mesma coisa.

Esse raciocínio pode ser aplicado a temas como feminismo, homossexualidade, obesidade, nanismo, e qualquer outro que você possa pensar. Geralmente, só quem está de dentro de um desses grupos acima sabe o que é ofensivo e o que não é, vindo de fora. Quem está de fora TEM QUE FAZER CONCESSÕES À BOA EDUCAÇÃO. Ou seja, não é deixar de criticar os vegans que são chatos e ficam pregando vegetarianismo à mesa. É fazer isso sempre deixando claro que você sabe que o vegetarianismo é um movimento amplo e complexo e os chatos são uma minoria barulhenta. Ah, você não conhece um vegetariano que não seja chato? Talvez ele simplesmente seja tão tranquilo que você vai descobrir quase que por acidente que ele não come carne.

Trocando em miúdos, gosto mesmo é do humor feito por quem sabe do que está zoando. Quer dizer, ninguém se mete a fazer piadas nerds de matemática se não souber matemática. Por que se deve fazer piadas sobre, sei lá, feminismo, se a pessoa só sabe de feminismo "o que ouviu de fulana, que ouviu na TV"?

Agora, se você já está se coçando para dizer que, pela minha lógica, eu estou PROIBINDO alguém que não seja negro a fazer piadas com negros, calmaê. O que estou dizendo é: somente as pessoas que conhecem a fundo a realidade dos negros, do que eles se orgulham em si mesmos e com o que se ofendem DEVERIAM fazer piadas com eles. Se alguém quer fazer piada por sua conta e risco, sem conhecê-los, a pessoa PERDE O DIREITO de subir nas tamancas e dizer que está sendo "censurada" se algum negro pedir uma retratação pelo cunho racista da piada. Simples assim. Lembrando a sabedoria do Seu Madruga: "Quem fala o que quer, ouve o que não quer". Fez piada sem saber se era ofensiva? Aguente as consequências como um adulto, não como um menininho que não pode ser contrariado.

E é isso.

Continuo no aguardo de um programa de humor no Brasil que não apele pro preconceito, grosseria e/ou apelação sexual. (E que passe em um horário assistível...)


PS: Pra mim, os melhores stand-ups, no geral, são aqueles em que o humorista conta casos usando a si próprio como personagem. Nada como zoar a si mesmo para obrigar alguém a manter o respeito a um grupo.

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