quinta-feira, 7 de abril de 2011

Se não quer fazer nada, não atrapalhe

Tou pra falar isso há tempos. Hoje foi a gota d'água.

Para quem ainda não viu, houve uma tragédia em uma escola do Rio de Janeiro, em que um homem entrou atirando em uma escola no bairro Realengo. Alguns detalhes aqui.

É um fato lamentável e terrível, e, no momento, os brasileiros do Rio de Janeiro podem contribuir doando sangue. Os demais, de outras partes do Brasil, podem apenas torcer para que as consequências dessa tragédia sejam as menores possíveis: que haja o menor número possível de mortos e feridos, que os adultos e as crianças que sobreviveram recebam ajuda para superar o trauma, etc, etc, etc.

Nesse ponto, entra a minha bronca.

Muitas pessoas estão externando suas condolências e sua solidariedade de diversas formas. Alguns dizem "estou chocado, sou incapaz de achar graça em piadas sobre o tema". Outros, que "se as autoridades fizessem isso e isso, coisas como essa não aconteceriam". Pergunta: qual a utilidade prática imediata desses comentários para as vítimas da tragédia? NENHUMA. Qual a utilidade prática imediata desse aperto no coração que você sentiu e quer dividir com alguém? NENHUMA. Por que raios então as pessoas não têm o direito de dizer que querem fazer uma prece pelo ocorrido? Por que sempre tem uma criatura pra soltar o famoso "prece é a melhor maneira de se fingir que se está fazendo alguma coisa", e similares?

Escutem aqui: quando alguém diz que "vai fazer uma prece" por alguma coisa, isso é só um jeito diferente de dizer "melhoras, fulano" ou "meus pêsames". Isso NÃO deve ser traduzido como "pronto, fiz a prece, minha responsabilidade acabou". Isso se traduz como: "nossa, fulano, eu me importo com você e quero que fique bem. Conta comigo pro que eu puder fazer".

Acreditem em mim: existem pessoas que dizem que vão rezar pelas outras só como desencargo de consciência, sim. Que vão botar tudo nas mãos de Deus, esquecendo-se de que nós somos suas mãos na Terra. Mas até aí, pessoas se dizem chocadas com tragédias também só estão fazendo um desencargo de consciência. O negócio é que, assim como as pessoas que não oram doam dinheiro (ou qualquer outra coisa) pela causa (ou pelo menos se espera, né?), pessoas que oram também doam. Quando alguém diz que vai fazer uma prece e isso não foi da boca para fora, quando ela realmente faz, isso mostra que ela está sensibilizada pela causa e disposta a agir. O fato de alguém ter pedido preces pela tragédia não quer dizer NADA sobre o quanto ela vai ou não fazer de efetivo no futuro. Assim como bancar o "não faço prece porque é inútil" não te torna automaticamente uma pessoa melhor e mais consciente, caso isso não se traduza em ações efetivas, mas em simples implicância.

Nosso mundo está com uma carência generalizada de gentileza e tolerância. Dizer "estou orando pelas vítimas do Rio" é uma forma de gentileza e de expressar solidariedade, tanto quanto qualquer outra coisa que alguém diga a esse respeito. Eu gostaria MUITO que as pessoas PARASSEM de coibir manifestações de gentileza e de consternação só porque tem a palavra "oração" no meio. Sério. Porque com isso, elas estão tirando de si mesmas o direito de falar qualquer coisa que seja sobre o fato em questão, a menos que suas palavras realmente irão mudar alguma coisa a curto prazo para aqueles em sofrimento.

Vamos ter respeito e tolerância com os outros. E acima de tudo, vamos incentivar as pessoas a estender sua gentileza e consternação para além das palavras, sejam elas de cunho religioso, político, social ou meramente palavras de boa educação. Mas vamos fazer isso SEM calar as palavras feitas com boas intenções. Ninguém gosta de dizer para alguém "eu te amo" e receber de volta um "eu sei disso, pra que você fica repetindo?".

Acho que essa tirinha do xkcd resume o efeito que alguém consegue por assumir com o outro a atitude de "seu hipócrita, você não está fazendo todo o bem que podia":

I usually respond to somebody else doing something good by figuring out a reason that they're not really as good as they seem. But I've been realizing later there's an easier way to handle these situations, and it envolves zero internet arguments.

Um comentário:

  1. E quem não está no Rio de Janeiro AGORA e não pode doar sangue, p. ex., ou não é assistente social/psicólogo para auxiliar famílias a lidarem com a perda e colegas a superarem o trauma, também não pode dar ajuda imediata ALGUMA no caso. Parece que orar virou pecado, atitude recriminável, mas não é.
    Claro, quando chegarmos naquilo que causa tragédias como essas, como falência da educação e segurança pública, daí todos nós temos obrigação de fazer nossa parte, mas fora isso, também queria saber o que esse pessoal que recrimina oração tá fazendo pra ajudar.

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