domingo, 13 de fevereiro de 2011

A patrulha do politicamente incorreto

É, eu escrevi certo.

Vocês já devem ter ouvido falar de politicamente correto. Aquela pessoa ou instituição que ataca o uso de certas frases, roupas ou símbolos por serem preconceituosos, mas dificilmente atacam o preconceito em si. Por exemplo, um cara politicamente correto ficaria com raiva justa ao ler a frase "todo negão tem ceceba!", mas provavelmente não veria grandes problemas em "os afrodescendentes em geral apresentam acentuadas tendências ao mau cheiro nas axilas".

Politicamente correto é algo chato. Chato porque 99% das vezes é hipócrita. E chato porque politicamente corretos costumam não ver coisas chamadas "contexto social" e "ironia" mesmo que dancem vestidas de havaiana na frente deles. Mais de uma vez tive vontade de tacar uma mão cheia de dedos na cara de politicamente corretos.

Em reação ao politicamente correto e sua incansável patrulha, surgiu o "politicamente incorreto", seu oposto. Ser politicamente incorreto é "dizer as coisas como são", ou não usar eufemismos para expressar uma opinião polêmica. Enfim, é ser sincero. Brutalmente sincero, se necessário. E é aí que mora o grande perigo dessa postura: enquanto o politicamente correto tem um caso de amor com a hipocrisia, o politicamente incorreto flerta com a grosseria e, às vezes, com a intolerância.

Nós temos uma patrulha do politicamente correto em ação por aí, por todos os lados, tentando empurrar as sujeiras de nossa sociedade e nosso comportamento para debaixo de um tapete de palavras sofisticadas e roupas engomadas. O que pouca gente parece estar percebendo é o surgimento de uma patrulha do politicamente incorreto, armados com paus e pedras e dispostos a descer a borduna em qualquer um que aponte a inadequação desse ou daquele termo, o que seria "uma violação da liberdade de expressão". Porque liberdade de expressão é tudo véio! MORTE À BURGUESIA! YEAH! \../ Ò.ó \../

Só que a patrulha do politicamente incorreto parece esquecer, como os politicamente corretos, a existência de um contexto social. E também aquela velha frase preferida das professoras de colégio: "a liberdade de uma pessoa termina quando começa a da outra". Tipo, isso também vale pra liberdade de expressão, sabem?

Porque vejam bem, o politicamente correto expressa preconceitos sob eufemismos. Em que um politicamente incorreto está sendo melhor se expressa o mesmo preconceito de forma escrachada? É preconceito do mesmo jeito, não? Legal, o politicamente incorreto pode se orgulhar de não ser hipócrita, mas quando vai se envergonhar de continuar sendo preconceituoso? Só que de forma mais grosseira?

Duas ações recentes da patrulha do politicamente incorreto me mostraram que são tão cegos quanto seus irmãos perfumadinhos: a revolta pela "censura" de Monteiro Lobato e o texto de Reinaldo Azevedo sobre a polêmica do uso "petralha" nas HQs de Batman.

O caso Monteiro Lobato é notícia velha, mas reveladora: o fato de terem tirado livros do Lobato de bibliotecas infantis por incitamento de preconceito contra os negros causou uma onda de indignação em adultos que cresceram lendo os livros do Sítio. Ou assistindo as séries de TV, onde esse preconceito foi limado sem dó nem piedade (sendo que ninguém reclamou disso, ao que me consta). Foram textos e mais textos do tipo "Onde esse povo politicamente correto vai nos levar?! Vão privar nossas crianças de um dos nossos maiores escritores infantis! Blá-blá-blá! Blé-blé-blé!".

Pouca gente desceu de sua indignação para ver que os livros de Lobato continuariam disponíveis desde que houvesse com as crianças debates sobre esse preconceito, como era algo normal na época de Lobato e não é hoje, e tal. Pouca gente se pôs na pele de uma criança negra que, ao ler as obras do Sítio, veria os negros comparados a macacos, tratados como sub-humanos que deveriam se curvar à superioridade branca. Menos gente ainda procurou saber que Lobato se expressou sobre os negros quase que literalmente com essas palavras em cartas, artigos e no livro O Presidente Negro. Esse texto discorre sobre esse tema de um jeito que acho exemplar.

A polêmica do "petralha" em Batman é a bola da vez. Esse texto do Reinaldo Azevedo faz uma defesa apaixonada do termo, que está no dicionário, blá-di-blá-di-blá, nem todo petista é petralha, mas todo petralha é petista (uhuuuu, como é isento de preconceitos tio Azevedo! Como o termo é politicamente neutro!), blá-di-blá, atentado contra a liberdade de expressão por esse bando de censores da imprensa libertária e isenta de preconceitos do Brasil.

Sendo que Reinaldo Azevedo cunhou o termo. Um termo altamente preconceituoso e parcial, que ofende qualquer petista, que não reflete a verdade (como se só petistas tivessem o comportamento que ele liga ao termo) e que está imbuído de uma conotação política tão forte quanto o termo "atucanar" (ironicamente ou não, usado por outra facção da patrulha de politicamente incorreto como sinônimo de "politicamentecorretar" um termo). Curioso, se os gibis do Batman apresentassem o termo "atucanar", duvido que o Sr. Azevedo tomaria uma defesa apaixonada do termo, dizendo que ele já perdeu sua conotação política.

Se o termo é tão ofensivo e tão revelador de bairrismos e partidarismos (você não vai ver um petista e simpatizantes usando o termo "petralha" e não vai ver um psdebista e simpatizantes usando o termo "atucanar"), por que usar? Por que ser grosseiro e ofensivo com uma facção da sociedade? Pra ser anarquista e politicamente incorreto? Pra escancarar ao mundo seu preconceito contra esse grupo, pros desgraçados verem o que é bom?

Recomendo essa entrevista do escritor China Miéville, socialista convicto, que dá um banho de respeito e tolerância em muito direitista que diz que todo socialista e todo comunista são radicais cegos e ignorantes. Como o Sr. Azevedo, que não se dava ao trabalho de frisar que "petralhas" são só alguns petistas em seus textos. (E sim, li vários deles, cortesia de um amigo que mandava semanalmente pérolas desse cara e de Diogo Mainardi pro meu e-mail.)

O caso discutido por Miéville é o do "Dia de Desenhar Maomé", no Facebook, um desrespeito aos muçulmanos, que acham sacrilégio representar a face do profeta na arte. Que raios, ofendem gratuitamente a fé de um povo e não querem que eles reajam de forma tão ofensiva quanto? Sem contar que as mesmas pessoas que reagiram contra a tentativa islâmica de impor o respeito a sua fé aos outros povos provavelmente acharam o máximo a proibição da burca em universidades - que não é uma imposição da cultura ocidental às mulheres islâmicas, imagine.

Enfim, só para encerrar: lembram a professora que dizia que "a liberdade de um termina quando começa a liberdade do outro"? Vou parafraseá-la a respeito de outra frase famosa dela: "não confundam liberdade de expressão com libertinagem de expressão". Palavras machucam SIM, e devem ser vigiadas com atenção, SIM, especialmente quando a intenção é atacar uma pessoa ou um grupo. Respeito é bom e todo mundo gosta. Com ou sem correção política.

2 comentários:

  1. otimo texto, so lembra dele quando os socialistas/esquerdistas atacarem os burgueses! Palavra que é usada para rotular uma parte da sociedade que usualmente e taxada como ruim. So que a maioria das pessoas sao burguesas, sao comerciantes, profissionais liberais, prestadores de serviços etc...

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